terça-feira, 12 de abril de 2011

Indignações

Eu não sou ninguém. Eu ainda nem nasci, mas algumas coisas que ouço me revoltam. O Jeje é diferente em muitas coisas do Ketú. Eu não gosto de falar mal nem de nações, nem de Casas. Penso que cada um faz as coisas do jeito que acha certo, ou do jeito que aprendeu, mas esses dias entrei num debate: sobre Orixá dar adubá pra ogan e ekedji. E ainda ouvi assim: "Orixá respeita o cargo".
Vamos por partes? De quem é o Candomblé? Pra quem é o Candomblé? ACHO que é pro Orixá / Vodun / Nkise. Certo? Ok. Aí, o dono da festa, o dono das Casas, o ser mais puro e nobre... Se curva pra um HUMANO? Qual o sentido disso, meu Pai? E Ele faz isso porque respeita o cargo. Peraí! Quem tem que respeitar? O Santo respeita o humano? Não deveria ser o contrário? Que pataquada é essa, minha gente?
Quem dá o cargo é o Santo. E ser ogan e ekedji não é status: é tarefa. Não é só pra dar pinta no dia do Candomblé. Ekedji é a mãezinha, quem está na Roça todo o tempo, que auxilia e também está para servir. Os ogan são o mesmo caso, mas com tarefas diferentes e também está pra servir.
Parece que o Orixá virou boneco pela forma que é tratado. "O Santo não pode fazer isso", "Santo sem idade não pode fazer aquilo". DESDE QUANDO santo tem idade? Quem é um humano pra proibir o Santo de fazer alguma coisa, proibir o Santo de falar, de andar livremente pelo agbasa na hora do Candomblé? O COITADO tem que ficar ali, parado, imóvel esperando que alguém lhe dê permissão até pra respirar. Dançar o que um ogan, um HUMANO quiser tocar. E param de tocar quando querem também! Nada de esperar o Santo terminar sua dança. Ele fica no meio do nada, sem entender porquê acabou. Enfeitam o  pobre como uma alegoria de escola de samba, cheio de paetês, brilhos, plumas e outras extravagâncias. Nada é perguntado a entidade incorporada. Que falta de confiança é essa? Confiam num jogo de búzios mas não no divino incorporado? Quem é que responde o jogo de búzios? O zelador?? Andam se preocupando muito com as roupas e pouco com o que é o Divino, o Sagrado.
Algumas coisas assim, esse desrespeito, me faz falar aos montes. Mas sou apenas uma novichê. Abaixo a cabeça e tomo a benção pelo "conhecimento" adquirido por aí e agradeço aos Voduns pelo que tenho em Casa.

domingo, 10 de abril de 2011

Conceito de Família-de-Santo

Parte da Família
Sou mesmo apaixonada pela minha família. Um dia, um amigo que sabia melhor que ninguém de minha procura por uma Casa-de-Santo, me levou a Casa que hoje frequento. Em princípio, achei muito longe. Uma viagem mesmo. Fazia muito sol, e a data era 15 de maio de 2010. Apesar do sol forte, eu senti o cheiro da terra. E foi tão emocionante sentir aquele cheiro, que me sentei perto das senhoras que preparavam o almoço na cozinha antiga. Tonta e atordoada, confesso. Mas gostei muito do jeito e do respeito daquelas pessoas.
Cheguei em época de obras. Os planos eram de que o Hùnkpámè fosse inaugurado em setembro do mesmo ano. Tudo muito corrido, obras, cimento, tijolos e barro (meu Pai, quanto barro). Mesmo com toda correria, não foi possível concluir as obras. E a inauguração é adiada para janeiro de 2011. Ainda em dezembro, resolvo me sentar na nova varanda, e dar um intervalo na interminável tarefa de lavar louça de Roça. Vejo, então um Ogan da Casa preparando uma massa, num sol escaldante. Ele usava camisa de manga e calça comprida. Muitas deveriam ter caído, mas vejo uma gota de suor caindo na massa.
Começo a pensar no quanto de suor, poético e literal de casa filho-de-Santo está na Casa: dos homens que trabalharam e ainda trabalham na obra, das mulheres que já tomam café-da-manhã preparando o almoço, de nosso Mèjitó que quase nunca vemos parado ou sentado. E, por que não, o meu na parca contribuição com a louça, limpeza e a cozinha em geral?!
Todos estão na mesma fé. Quando eu cheguei fui tão gentilmente acolhida por cada irmão, que teve paciência de me contar histórias, ensinar a fazer as coisas mais bobas e que me tiveram tanto significado. Meu Mèjitó, que no caos do dia da inauguração de nossa Roça teve a paciência e cuidado e me ensinar como cortar as bananas que precisava fritar.
Ensinamento, cuidado, broncas necessárias, vestimenta... Minha família-de-Santo. O meu Lugar.

O que é ser uma Novichê?

Eu, em Casa. (Foto: Mazé Mixo)
Sou Preta Leotério, novichê. Uma não-iniciada no culto dos Voduns. Mas ser novichê é muito maior que isso. Pertenço a um Hùnkpámè na cidade de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro. Apesar de ser um pouco distante da minha residência, tenho muito confiança nos motivos e Forças me levamaté lá a cada semana
É ser pequenininha e acolhida. É se sentar no zan pra ouvir histórias, aprender os afazeres, ouvir muito e falar quase nada. É respeitar quem chegou antes, porque foram eles que garantiram que estivéssemos aqui.
Sou absolutamente convicta do que quero para minha vida. Tenho dezenove anos e quero ser uma vodunsì. Acabei descobrindo que a religião é para servir. Além de servir aos nossos irmãos em fé, mutuamente, servir aos Voduns, que controlam e governam nossa caminhada. Eles que estão sempre presentes, sempre ouvem, sempre veem.
Vodun é força, é vida, transformação e cuidado. É ancestral. É em respeito a ancestralidade que o culto acontece. Porque minha mãe  foi cuidada, bem como a mãe de minha mãe, a mãe da mãe de minha mãe... Eu respeito esse sangue, essa origem. E me curvo. Porque sou tão pequena e vejo tanta fé, tanto amor, que sou contagiada. Quero ver cada vez mais. Família unida, permanece unica e perpetua o axé do Hùnkpámè!
Descobri ainda o conceito de família-de-santo, de esperar o tempo, respeitar opiniões e métodos. Este blog está sendo criado pra isso: compartilhar angústias, descobertas, medos e alegrias. Mas também quero 'ouvir', saber de outras experiências e pensamentos. O blog está aqui pelos que vieram antes de mim, por mim e pelos que virão depois. E espero acolhê-los como meus irmãos fizeram comigo.

Axé!

Ps.:
Sempre que puder e me lembrar, vou colocar significado das palavras em itálico e correspondente com o Ketú, nação mais difundida no Brasil.
Novichê:  vodunsì sem toalha, aquela que não foi iniciada no culto dos Voduns, Jeje Mahin. (Correspondente no Ketú: abiyan)
Hùnkpámè: o mesmo que terreiro, terreno grande (Correspondente no Ketú: Ilê)
Zan: o mesmo que esteira (Correspondente no Ketú: enin / ení)
Vodunsì: Vodun (força, entidade) + sì (mulher, esposa). Aquela que foi iniciada para o Vodun. (Correspondente no Ketú: iyawô)